Esse relato aqui embaixo é meu, da Letícia Xavier, idealizadora do C.A.S.A.

Pra quem me conhece há mais tempo sabe que eu amo escrever – inclusive foi através do meu antigo blog que eu conheci um monte de gente incrível – sabe que eu postava direto no meu Instagram pessoal e que do nada eu parei com tudo.

Relacionamento abusivo. Foi esse o motivo.

E até hoje eu não consegui voltar. Até hoje eu tenho palpitação pensando nisso, eu me assusto se vejo alguém na rua parecida com ele, eu quis mudar de casa, eu fechei meu Instagram, bloqueei todo mundo que pudesse ter contato com ele, eu não queria que ninguém soubesse mais nada de mim. E até hoje eu duvido de mim mesma, será que eu não to exagerando?

O abuso faz isso com a gente, a gente duvida da gente o tempo todo e quando a gente tá lá, a gente não percebe que tá. E mesmo depois que você percebe que tá, você não acredita. “Mas ele não me bate. É só uma fase ruim. Ele tá trabalhando demais, tá muito estressado. Tudo vai melhorar.” E obviamente NÃO VAI.

O padrão do relacionamento abusivo aconteceu comigo: no começo (2013) é tudo maravilhoso – apesar de hoje eu perceber que não era tão maravilhoso assim – e com o tempo as coisas vão piorando sutilmente, quando você percebe já tá no fundo do poço.

No começo eu era inteligente, admirada, ele acreditava no meu potencial, me dava força pra seguir com meus projetos, chegou até a me dar dinheiro pra investir numa loja que eu comecei. A primeira crise de depressão que eu tive ele me ajudou, me comprou livro, trazia coisas pra me agradar.

Ciumento ele nunca foi. Também não me pedia pra me afastar dos meus amigos, que em grande parte eram também amigos dele já que a gente estudou na mesma faculdade, mas ele começou a tratar esses amigos tão mal que eles mesmos se afastaram. Ele era do tipo super sincero, que ofende com a desculpa que só estava sendo honesto. E obviamente todas as ex eram loucas.

Ele sempre ganhou muito mais que eu e quando a gente foi morar junto isso passou a ser um problema. Eu era burra, não tinha escolhido direito minha profissão. E pra morar junto a gente tinha que dividir as contas por igual. Mas como isso seria possível se enquanto ele ganhava 10 eu ganhava 2? A resposta era, eu colocava 100% do meu dinheiro nos gastos da casa e ele sempre teria uma reserva enorme.

Nessa época eu fiquei desempregada e comecei a ouvir que eu só comia porque ele me comprava comida, que eu só tinha uma cama pra dormir porque era a cama dele e que graças a ele eu tinha um teto. Mesmo minha família dando de presente boa parte dos itens essenciais da casa.

Segundo ele eu também não sabia cozinhar, não sabia limpar a casa, não sabia lavar e nem passar roupa. Eu cheguei ao ponto de limpar o chão com guardanapo pra não ficar nem 1 fio de cabelo a vista.

“Mas olha como eu sou legal, vou te pagar uma faculdade de TI no Canadá pra você melhorar financeiramente.” Todo mundo que me conhece um pouquinho sabe que eu sou de humanas, eu ODEIO tecnologia, mas ele me convenceu que isso era o melhor pra mim. Eu não queria estudar, muito menos TI, mas essa era a única chance que ele tinha que conseguir um visto de trabalho e juntar o dinheiro dele. Dinheiro era o que importava.

E eu me convenci, contava animada pros meus amigos que eu viria estudar TI no Canadá e resposta de todos era: “TI? Tem certeza?” E eu falava que sim, ele vai me ajudar quando eu tiver dúvida, ele é da área. Spoiler: ele nunca me ajudou em nada.

Depois de 1 ano de pressão psicológica no Brasil com a desculpa do estresse do trabalho, a gente veio pro Canadá. Eu acreditava de verdade que era uma fase e que iria melhorar quando a gente chegasse aqui. Vida nova, menos stress.

Só piorou.

Ele corrigia meu inglês de forma grosseira e me obrigava a falar pra não sair desse ciclo. Se eu não quisesse fazer uma ligação, era o fim do mundo.

Como minha faculdade aqui era integral, o combinado era que eu não começasse a trabalhar logo de cara pra eu ter tempo de me adaptar. Era outro país, outro idioma e uma área de estudo que até hoje não faz sentido pra mim. Mas sem trabalhar eu não tinha dinheiro e sem dinheiro eu não podia pagar o ônibus. E assim foi todo o período da faculdade, andando 25 minutos pra ir e mais 25 pra voltar, no frio de -15 porque ele não ia gastar o dinheiro dele com ônibus pra mim.

A gente começou a fazer amigos aqui e toda vez que a gente se encontrava com eles, era o momento ideal pra ser grosso e falar mal de mim.

E eu ainda tentando agradar perguntava o que eu tinha que fazer pra ele gostar mais de mim. Ele falava que eu tinha que arrumar um emprego e que eu tinha que emagrecer, que não ia mais gostar de mim se eu continuasse engordando.

Eu arrumei um emprego. Eu emagreci 10kg. NADA MUDOU.

Aí ele passou a tomar conta do meu dinheiro, tudo que eu ganhava ia para as contas da casa e a maior parte do que ele ganhava ia pra poupança dele.

Nessa época ninguém sabia de nada disso, eu tinha vergonha de falar. Foram 6 meses aqui chorando sozinha. A faculdade era um inferno, em casa era um inferno em dobro, no fim a melhor parte da minha rotina era o meu trabalho dobrando roupa numa loja perto de casa.

E mesmo depois que eu finalmente decidi sair desse inferno, lá pra setembro de 2017, não foi nada fácil. Ele não queria terminar, ele ameaçava me processar (sabe-se lá porque), ele dizia que ia levar tudo do apartamento, que eu ia ficar sem nada. E mesmo depois de eu ter comunicado todos os amigos que a gente estava separado (sem ele saber) ele ainda falava pra essas mesmas pessoas que a gente ia casar na praia. ???????? A minha sorte é que eu tenho um monte de testemunha, porque senão eu me duvidaria mais ainda. É SURREAL.

E sabe quando que eu realmente consegui me separar no papel? ANO PASSADO, 2020. Depois de contratar uma advogada.

Isso tudo aí é só a ponta do iceberg, tem muito mais coisa e coisa muito pior. E deixa cicatrizes horrorosas, viu?

Quando eu finalmente comecei a ter coragem pra me abrir com meus amigos, várias histórias começaram a chegar até a mim. Tipo MUITAS. (E foi aqui que a ideia do C.AS.A. começou a nascer)

Então o que eu queria dizer com tudo isso, é que eu tenho certeza absoluta que tem alguém perto de você vivendo numa relação de abuso. O abusador não tem cara, não é só aquele homem bêbado violento. Ele também usa terno.

E o que me salvou foi o feminismo. Foram as histórias de outras mulheres, que conseguiram se livrar de relacionamentos abusivos, que se expunham na internet pra dar força pra outras mulheres. O meu sonho é viver num mundo cheio de mulher foda e segura que não vai cair nessa armadilha do abuso.

Eu só queria que as mulheres se livrassem dessas amarras.

Se você mulher chegou até aqui, saiba que você pode contar comigo e com essa C.A.S.A.

Vamos juntas!

Letícia Xavier
Fundadora e CEO do C.A.S.A.

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